A intenção de quem pratica bullying, seja de forma real ou virtual, é excluir o outro, e os motivos são variados, indo desde racismo, fundamentalismo religioso a patologia psicológica, uma busca de auto-afirmação através da exclusão e da violência, talvez quem pratique este tipo de exclusão tenha medo de ser superado pelo outro, seja na escola, no trabalho ou mesmo na familia
Este artigo trata do assunto, do site Guiame, da Redação:
| Uma pesquisa inédita no Brasil revela que o cyberbullying, violência entre jovens praticada por meios virtuais, já é mais frequente que o bullying, as agressões feitas pessoalmente, normalmente dentro das escolas. Dos 5.168 alunos que participaram da pesquisa, realizada nas cinco regiões do País, 10% já sofreram ou praticaram bullying, enquanto 16,8% foram vítimas e 17,7% praticaram o cyberbullying. O estudo foi realizado pela ONG Plan Brasil, que atua no desenvolvimento de crianças e adolescentes. De acordo com Cléo Fante, especialista em bullying e consultora da pesquisa, a internet favorece as agressões porque propicia a quem pratica o bullying uma falsa sensação de impunidade e anonimato. Ela também acredita que os números sejam maiores no caso de bullying virtual porque há quem comece a agredir um colega na escola e continue quando chega em casa, pela internet. "Também há aqueles que só têm coragem de fazê-lo virtualmente", explica. A diferença entre um e outro tipo de violência é simples. Enquanto o bullying é praticado pessoalmente, com constantes xingamentos, piadas de mau gosto e agressões físicas, o cyberbullying acontece em e-mails maldosos, comentários agressivos em redes sociais e perfis falsos criados para difamar alguém. As causas e efeitos de ambos são os mesmos, o que muda é o meio em que ocorrem. "Mesmo os 10% [do bullying real] são uma porcentagem muito significativa", lembra Gisella Lorenzi, do Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor, que realizou a pesquisa em parceria com a Plan. "E se considerarmos que talvez haja um constrangimento da vítima em declarar que é alvo de bullying, fica fácil imaginar que esse número pode ser mais alto", acredita. Aconteceu comigo A adolescente T.C., de 15 anos, sabe bem como o cyberbullying funciona. Fã do NX Zero, da Tessália do BBB e dos livros da Stephanie Meyer, ela tem várias amigas no colégio, mas se aproximou da maioria delas esse ano, quando mudou de turma. As meninas com quem estava acostumada a conversar e sair deixaram de ser suas amigas no ano passado, depois que um perfil fake no Orkut, que começou como brincadeira, causou brigas físicas e envolveu até a polícia. "Criei o perfil para conversar com outros fakes. Uma amiga fez isso primeiro e me incentivou a criar também", conta. "Só que, um mês depois, um perfil sem fotos e sem amigos me adicionou e começou a fazer ameaças", conta. Não parou por aí. O anônimo também adicionou amigas de T.C. e começou a difamar a garota para elas. "Ele dizia que eu era falsa, que falava mal delas para outras pessoas e que iria hackeá-las". Para a surpresa da adolescente, as garotas acreditaram no que o perfil anônimo dizia e se afastaram dela. "Isso aconteceu nas férias. Quando as aulas voltaram, ninguém falava comigo. Uso cadeira de rodas há quatro anos e, em uma das nossas discussões, tentaram me derrubar da cadeira", lembra. Foi quando a briga tomou proporções maiores. "Minha mãe teve que se envolver. O advogado dela foi à minha escola, a polícia também. O colégio ficou em cima do muro e o caso não se resolveu, só foi abafado", diz. O desfecho violento da história abalou T., que ficou um mês sem ir às aulas. A decepção se agravou quando suspeitas da autoria do perfil anônimo caíram sobre uma amiga. "Um dia, conversando com uma das meninas pelo telefone, disse que minha mãe ia contratar alguém para descobrir quem estava me difamando. Ela entrou em pânico, perguntou o porquê disso e me disse para esquecer esse assunto. Uma hora depois dessa ligação, o perfil foi deletado", diz. "Ela era minha melhor amiga e vinha à minha casa sempre. Foi horrível", lamenta. Felizmente, T. deu a volta por cima e, hoje, está melhor do que antes. "Agora estou muito bem! Mudei de turno e de turma e só vejo as meninas que fizeram isso na hora da saída. Estou em uma classe ótima, que só tem pessoas de cabeça aberta e sem preconceitos". Perfis anônimos parecem ser um meio bem comum para pessoas descontarem sua agressividade sem sofrer as consequências. A jornalista Thalita Oliveira tinha 20 anos (hoje tem 24) quando abriu o Orkut e deu de cara com scraps ofensivos e ameaçadores de um perfil com a foto do palhaço Bozo. "Na época, estava na moda um modelo de celular pink e eu fui uma das primeiras pessoas a ter. Aí o Bozo deixou um scrap dizendo que ia me sequestrar, junto com o meu celular". A estudante ficou assustada porque, além da ameaça de seqüestro, o perfil fake deixava recados descrevendo as roupas que ela usava para ir à faculdade. Ela sabia que o autor das ameaças era da universidade, pois o "Bozo" do Orkut também falou mal do menino que Thalita namorava na época e chamou a estudante de patricinha, por ela gostar de moda. "Salvei o link do perfil e entrava todos os dias, achando que a pessoa deixaria escapar algo que a entregaria. Uns quatro meses depois, a menina ativou aquela conta como perfil pessoal, com direito a fotos e depoimentos". Em vez de procurar briga, Thalita preferiu deixar para lá. "Não tirei satisfação porque fazê-lo seria me rebaixar ao nível da garota. Mas, até hoje, não sei o motivo de tanto ódio". Quem presencia também é culpado Em casos de bullying há sempre um desequilíbrio de poder. Aquele que tem mais força física ou psicológica, além de um perfil agressivo, humilha o mais fraco, que apresenta aspectos psicológicos como timidez e baixa auto-estima. Mas, na maioria dos casos, se alguém perguntar ao agressor se ele está maltratando a vítima, ele vai dizer que é só brincadeira. E a vítima, por sua vez, vai concordar. "Eles têm vergonha de falar porque é humilhante, e o primeiro sintoma é a negação", diz Cléo. Além disso, apontar os que praticam o bullying pode agravar a situação, outro motivo para a vítima encarar tudo como uma grande brincadeira. "É preciso deixar clara a diferença entra a brincadeira e o bullying. É brincadeira quando há equilíbrio e espaço para todos", diz a especialista. Quando o bullying acontece dentro das escolas, os professores e diretores geralmente se omitem ou tomam as atitudes padrão: advertir, suspender e chamar os pais. Boa parte das escolas não tem um programa de enfrentamento de bullying. Os pais, por sua vez, culpam a negligência da escola ao saber do problema, num típico jogo de empurra. Dentro da sala de aula, os colegas que presenciam o valentão gongando a menina quietinha todos os dias e nada fazem para impedi-lo ou, pelo contrário, até riem das piadas que ele faz, só estão incentivando a prática. "É preciso orientar também quem presencia o bullying, pois o agressor precisa de plateia", explica Cléo. Então, o que fazer? Para quem é constantemente agredido, seja pessoalmente ou pela internet, Cleo Fante dá alguns conselhos. "Não fique em silêncio. Peça a ajuda da família, dos amigos e dos professores. Em casos mais extremos, pode ligar para o conselho tutelar. Ao denunciar o agressor para os pais ou professores, peça discrição e sigilo, para não agravar a situação. Mas não tenha vergonha de falar sobre isso. Se não souber lidar com a situação, peça ajuda", encoraja ela. Camiseta rosa para protestar Os casos de bullying que terminam em tragédia têm crescido em outros países. Um exemplo é a história de Phoebe Prince, irlandesa de 15 anos que morava em Massachusetts e era alvo constante de ataques físicos e verbais, tanto pessoalmente quanto por SMS e via internet. O problema começou depois que Phoebe teve um breve relacionamento com um cara popular do colégio, e a gota d’água foi o dia em que atiraram uma lata de bebida na menina. Depois disso, Phoebe foi encontrada enforcada na escadaria do prédio em que morava. Para discutir o bullying e o cyberbullying e desestimulá-lo entre os jovens, o primeiro-ministro canadense Gordon Campbell proclamou o dia de hoje, 14 de abril, como o Dia Anti-Bullying. Desde 2008, o Dia Anti-Bullying é usado para levantar essa discussão nas escolas, empresas e grupos políticos. Os jovens canadenses aderiram à data comemorativa e "lançaram tendência": para protestar, fizeram deste também o Pink Shirt Day. Quem apóia a iniciativa vai para o colégio vestindo camiseta rosa. Ontem e hoje, os twitteiros canadenses falaram bastante do Dia da Camiseta Rosa, incentivando os colegas a tirar a sua camisa do armário para aderir à causa. Fonte: iG Jovem Postado por Cristiano Bitencourt Via: www.guiame.com.br |
http://www.guiame.com.br/v4/42784-1846-Viol-ncia-Bullying-virtual-j-mais-frequente-que-ao-vivo.html
Bullying e a judicialização das relações pessoais
Por Rita de Cássia de A Almeida
psicanalista
Bullying é o tema do momento. A palavra é inglesa e originária da palavra bully cuja tradução é valentão. Naturalmente que valentões e valentonas sempre existiram. E acredito que todos nós pelo menos em algum momento na vida fomos vítimas de algum valentão e/ou já nos comportamos como um. Mas porque será que o bullying se tornou um problema com tanto destaque nos últimos tempos, a ponto de parecer que ele só surgiu recentemente? Não tenho respostas formuladas para esta questão, mas acredito que haja um caldeirão favorável que faz com que o bullying esteja tão em voga.
Freud dizia que a fonte de maior sofrimento para nós é resultante de nossas relações com os outros já que, inevitavelmente e invariavelmente elas produzem alguma espécie de fracasso ou mal-estar. Vivemos, no entanto, numa era onde fracassos e mal-estares são completamente abominados. Então, se não há espaço para os mal-entendidos tudo precisa ficar sempre bem-entendido e, uma das formas que encontramos para aplacar os mal-entendidos da atualidade tem sido convocar rotineiramente o discurso judiciário para mediar nossas relações. A isso chamamos judicialização das relações pessoais. Mas, o perigo de sempre recorrer a este tipo de discurso para solucionar nossos problemas interpessoais é o de nos colocarmos sempre em lugares estanques e cristalizados; ou somos as vítimas ou somos seus algozes.
Permeado por um discurso fortemente judicializado torna-se preocupante a maneira como tem sido tratada a questão do que aprendemos a chamar de bullying. A exploração do tema tem se ocupado em dar voz a um exército infindável de pessoas que afirmam sofrerem ou terem sofrido esta forma de violência e que não se cansam de reafirmarem o lugar que foi definido para elas; o de vítimas. Os algozes por sua vez são os demônios do momento, execrados em suas condutas violentas e opressoras, mas que, afinal, apenas reproduzem as relações de poder que nossa sociedade semeia e reforça.
Tenho um filho adolescente. Certa vez, quando ele contava com uns 8 anos de idade, me relatou que havia um garoto em sua sala que o intimidava constantemente, com palavras e pequenas agressões. A meu pedido, ele me apontou o garoto na saída da escola que, como eu já suspeitava, tinha o dobro seu do tamanho. Me lembro que na hora em que vi o garoto, tive ímpetos de abordá-lo e tirar satisfações ou procurar os pais dele ou ainda me reportar à direção da escola. Ao contrário do que a grande maioria das pessoas pensa, mães psicólogas ou psicanalistas não pautam suas intervenções em teorias e fórmulas científicas. Educam como a maioria dos pais, baseados em seus saberes inconscientes, ou seja, saberes não teorizáveis e que foram adquiridos ao longo da vida. Sendo assim, com meu coração apertado e sem saber se estava tomando a melhor decisão, apenas disse ao meu filho algo mais ou menos assim: – Sei que este garoto tem o dobro do seu tamanho e sei que você está com medo dele, eu também teria se estivesse no seu lugar, mas também sei que você é muito mais inteligente que ele e vai saber resolver este problema. Passaram-se os dias e meu filho não se queixou mais do valentão. Certo dia, perguntei a ele se o garoto ainda o importunava e ele me disse: - Tudo bem, mãe. Eu já resolvi. Agora somos amigos. Perguntei como isso tinha acontecido e ele me disse com simplicidade: - Eu perguntei se ele queria ser meu amigo e ele aceitou.
Obviamente que ao fazer esta intervenção com meu filho eu jamais poderia imaginar o seu desdobramento, ainda mais um tão inusitado. Minha fantasia de solução transitava entre o final do filme Karatê-kid (onde o menino franzino finalmente dá uma surra no valentão) e uma revolução coletiva dos magrelos contra os fortões, liderada pelo meu filho, é claro. Hoje eu sei que a maneira que ele encontrou para resolver sua diferença com o valentão da sala foi invenção dele, mas também sei que ela só pôde acontecer porque eu, mesmo sem saber, permiti com minha maneira de intervir, que ele deixasse de ser apenas uma vítima dessa cena para também protagonizá-la. Se eu tivesse abordado o tal valentão, por exemplo, poderia até conseguir que ele deixasse de ser o algoz do meu filho, mas este jamais deixaria de ser a vítima.
Este é o problema das intervenções baseadas no discurso judicializado, elas apenas reforçam os papéis que já foram estabelecidos, sendo assim, as mudanças só ocorrem numa provável inversão de posições – como aconteceu no caso de Casey Haynes o menino gordinho que se tornou febre na internet depois de cansar de ser saco de pancadas e revidar em seu agressor – o que não modifica em nada o produto da relação, neste caso, violência.
Não pretendo de maneira nenhuma fazer deste relato uma receita para lidar com o bullying, pois, não acredito em receitas para educar e muito menos em receitas para resolver nossos mal-estares quotidianos. Mas, creio que devemos evitar intervenções que sirvam apenas para cristalizar e reforçar as pessoas em determinados lugares, dando a falsa impressão de que estamos tratando do problema. Sendo assim, coibir e punir os agressores pode até inibi-los em determinadas situações, mas não os fará questionar suas atitudes e sua posição perante o outro. Da mesma maneira, ter piedade e proteger as vítimas, não as fará experimentar posições subjetivas mais potentes e proativas.
Meu filho me ensinou muito em nossa experiência com o tal bullying, que na época nem tinha esse nome. Aprendi que muito além de agressores e agredidos, de vítimas e algozes, esta forma de mal-estar pode produzir algo muito mais interessante e positivo: amigos. E porque não? Sem esquecer que mesmo os amigos às vezes se desentendem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário